Minha análise sobre The Witcher: Sereias das Profundezas e um comparativo ao material original Um Pequeno Sacrifício

Texto por VILGER | CANAL TOCA DU CORVO

Quando cogitei escrever a minha opinião sobre a segunda animação de The Witcher pela Netflix, baseada em um conto dos livros, pensei em um modelo de “shorts”, tecendo algumas opiniões satisfatórias sobre o mesmo. Porém, algo me dizia que eu deveria me aprofundar mais, sair desse ritmo de criação rápida e realmente destacar os pontos que me agradaram e desagradaram — obviamente, não seriam pontuados em 60 segundos.

Fiz uma nova leitura de Espada do Destino, obra na qual o conto “Um Pequeno Sacrifício” se encontra, e vamos entender como a Netflix transforma um dos contos mais belos de Sapkowski em uma simples fanfic de A Pequena Sereia com um bruxo e um bardo.

O que achei da animação?

“Contratado para investigar ataques em uma vila costeira, Geralt, o caçador de monstros mutante, desvenda um conflito ancestral entre humanos e povo do mar que ameaça desencadear uma guerra entre reinos.”

The Witcher: Sereias das Profundezas é uma animação de 1h30 que adapta um dos melhores contos dos livros, “Um Pequeno Sacrifício”. Podemos logo de cara pontuar o visual, que é confuso, mas não é feio, e lembra a animação anterior — vai agradar e desagradar na mesma intensidade.

Muitos não curtem a animação ser “castlevanizada”, mas acho interessante cada mídia ter sua forma artística de representar a obra. Claro que não me agrada o porte físico de Geralt, que não condiz em nada com seu estilo de combate — curioso, já que a primeira animação traz um visual bem melhor aos bruxos.

O fato de ser confuso começa desde o anúncio: temos Jaskier (Dandelion) dublado e com a aparência de Joey Batey, Yennefer por Anya Chalotra, e, quando chegamos a Geralt, a cara é de Henry Cavill, mas dublado pela voz dos jogos, Doug Cockle. A Netflix nem tenta mais se comunicar com o público, já que nem se esforçaram para trazer uma aparência condizente com a nova temporada. Quando Liam Hemsworth aparecer em tela, infelizmente será um cosplay de Cavill se vestindo de Geralt de Rivia.

A história começa interessante, mas vai tropeçando. Substitui a trama inicial, o mistério e o debate sobre o que é monstro de fato por um romance clichê com temas musicais desnecessários — já que temos dois bardos talentosos no enredo para suprir essa necessidade. A equipe decide inserir números musicais das sereias, reforçando a sensação de que estou assistindo a uma fanfic de A Pequena Sereia no universo de The Witcher.

Sereias das Profundezas é uma animação que você se esforça para gostar, mas não te entrega nada que incentive o esforço. Por mais impactante que seja essa descrição, ela reforça o descomprometimento da Netflix com a obra, já que a trama é fraca, com um romance que não parece estar no cenário certo e não condiz em nada com o material original.

Comparativo ao material original

Vemos, no início de “Um Pequeno Sacrifício”, que a animação não só muda, mas dá destaques extras ao núcleo do “romance proibido” entre Agloval e Sh’eenaz. Poderia ser interessante, mas o príncipe é descaracterizado: na obra original, ele é alguém desprezível, e, para ilustrar tudo o que seu pai é, nas animações acaba sendo espelho para Agloval no conto (já que seu pai nem existe aqui). A Netflix tenta embelezar o relacionamento, deixando-o mais fantástico, como um conto de fadas — sendo que, nas primeiras páginas, o príncipe cogita colocá-la em um aquário.

Esse é o segundo principal tropeço da Netflix: encontrar um padrão de semelhanças com A Pequena Sereia e achar genial espelhar a história dos dois nisso. No fim, tornam-se apenas uma balada de Jaskier, uma forma do autor brincar com as breves semelhanças à obra da Disney:

“[…] já tenho prontas algumas estrofes. Em minha balada, a sereia vai se sacrificar pelo príncipe e trocará sua cauda de peixe por um belo par de pernas, mas pagará por isso perdendo a voz…”

A animação transforma a trama de Agloval e Sh’eenaz na narrativa principal, sendo que a história original é sobre a complexidade dos sentimentos de Geralt e reforça sua humanidade.

O conto prioriza Geralt, Jaskier e Essi enquanto resolvem seus problemas pessoais, a investigação das mortes e desaparecimentos fica em subtexto para contextualizar e dar profundidade ao verdadeiro objetivo do conto. No fim, o problema de Agloval e Sh’eenaz é resolvido com ela se tornando “humana” — diferente da animação. Mais uma vez, o autor brinca com a breve “semelhança” ao clássico da Disney:

“[…] – Minha balada! – exclamou Jaskier. – Exatamente como em minha balada… Ela trocou sua cauda por um par de pernas para agradar a ele, mas perdeu a voz!

– Não perdi coisa alguma – respondeu Sh’eenaz com voz melodiosa e na mais pura língua comum…”

Um detalhe bem abordado na animação é o relacionamento de Jaskier e Essi Daven. Ambas as narrativas trazem esse lado protetor de Jaskier, como se Essi fosse de fato uma irmã para ele — um grande contraste ao personagem.

Porém, o conto vai muito além em profundidade: Jaskier a elogia, a compreende, a defende, deixando muitos de seus defeitos para trás. Essi desperta o melhor que há em Jaskier:

“[…] Conheço Fantoche desde criancinha e volto a repetir: não cometa um erro estúpido com ela. Você a magoaria terrivelmente, porque você também a impressionou…”

Jaskier é utilizado na história de The Witcher como um alívio cômico, mas ainda assim possui muita complexidade. Na minha visão, há muita sabedoria em sua percepção do mundo. Por ser o melhor amigo do bruxo, ele faz uma leitura perfeita sobre como Geralt se vê, como o preconceito da sociedade marcou sua própria visão de mundo e personalidade — ao ponto de não cogitar que Essi estava interessada nele:

“[…] Sem base alguma para supor uma coisa dessas, você partiu do princípio de que Olhuda interessou-se por você em razão de uma insana… ou até perversa… curiosidade, que olhava para você como se olha para uma aberração da natureza, um cordeiro de duas cabeças ou uma salamandra num jardim zoológico. E, por isso, você adotou uma postura agressiva, respondeu rudemente na primeira oportunidade que teve para se manifestar e devolveu um golpe que ela não lhe desferira…”

“[…] Geralt, eu estava tentando evitar que você cometesse um erro, mas vejo que já o cometeu. Partindo da falsa premissa de que a curiosidade de Essi fosse doentia, você quis se vingar aproveitando-se de tal curiosidade…”

O que “Um Pequeno Sacrifício” significa de verdade?

O conto apresenta ao leitor uma reflexão sobre o amor e como ele sempre vem com sacrifícios, jogando em nossa cara — e na de Geralt — o quão difícil é se expressar, o quão difícil é amar.

Essi Daven é uma personagem que aparenta ser simples, mas, no universo de The Witcher, ela é uma das joias mais valiosas. Seu amor pelo bruxo é honesto e direto, disposto a todos os sacrifícios para continuar. Através desse amor, Geralt compreende o que esse sentimento representa e como impacta, permitindo-se colocar no lugar de Yennefer e entender como ela provavelmente sente o mesmo vazio e frustração ao tentar se conectar a ele, alguém que sempre mantém distância emocional.

Mas Geralt amou Essi Daven?

Essa pergunta mostra a genialidade do conto. Fica em aberto se é realmente amor. Temos aqui a demonstração da complexidade de Geralt ao leitor — cada um pode chegar a uma conclusão, e, no fim, ambas terão seu fio de verdade.

Fica claro no conto que Geralt não ama Essi como ela o ama. O amor aqui é sutil, não é explícito como o de Essi, com suas fortes declarações ao longo da trama. O contraste é interessante: o amor é demonstrado por ações. Em cada gesto de Geralt para com Essi, esse amor se revela — do caminhar na praia ao presente, a pérola que se torna um pingente:

“[…] O bruxo não sente aquilo que sentem seus súditos, Zelest e Drouhard: uma enorme e profunda vergonha. O bruxo tampouco sente o que sentimos nós, eu e Jaskier: repugnância. Vou lhe dizer: porque o bruxo sabe que ele é melhor, que ele vale mais do que você. É isso que lhe dá a força que ele tem…”

O que aconteceu no fim?

O dia foi quieto: longas caminhadas e dar de beber aos cavalos. Jaskier precisou intervir com algumas verdades a ambos. Jaskier vai pescar. Após uma longa conversa, Geralt e Essi ficam juntos. No dia seguinte, uma ceia de despedida: Jaskier roubando cabeças de alho, Geralt comprando um cordeiro. Ao partirem, roubam uma panela furada. A noite foi farta e com muitas baladas. De madrugada, os três se separariam:

“[…] cada um seguindo o próprio caminho em busca de algo que, na verdade, já possuíam. No entanto, não sabiam nem sequer desconfiavam que o tinham.”

Na minha interpretação, uma família, eles ja tinham o vínculo mas não foram capazes de perceber a tempo. Obviamente, uma balada sobre esses acontecimentos foi escrita e cantada por Jaskier:

“[…] A balada falava de certo bruxo e certa poetisa; de como o bruxo e a poetisa se encontraram numa praia, entre gritos de gaivotas, e se apaixonaram à primeira vista; de como era lindo seu amor; de como nada, nem mesmo a morte, seria capaz de destruir aquele amor e separá-los…”

A cara de Jaskier. Afinal, em sua visão, baladas “não eram compostas para que as pessoas acreditassem no que diziam os versos, mas para que se emocionassem com eles”. O fim desse conto deixa um mix de sentimentos, um choque que apenas vem com a leitura, Andrzej Sapkowski trouxe o impacto do que é o mundo de The Witcher em poucas linhas se tornando assim o meu conto favorito:

“[…] Alguns anos mais tarde, Jaskier poderia ter modificado o teor de sua balada, contando o que se passara realmente, mas não o fez. A verdadeira história não teria emocionado quem quer que fosse. Quem gostaria de ouvir que o bruxo e a poetisa se separaram e nunca mais se viram e que quatro anos mais tarde ela morreu de varíola no decurso de uma epidemia que eclodira em Wyzim? Certamente ninguém estaria interessado em saber que ele, Jaskier, conseguiu tirar o corpo da poetisa do meio de uma pilha de cadáveres em chamas e a enterrou, sozinha e segura, numa floresta longe da cidade, com as duas coisas que ela lhe pedira: seu alaúde e sua pérola azul-celeste, da qual jamais se separara.

Não, Jaskier manteve a primeira versão da balada. Mesmo assim, nunca a

cantou. Nunca. A ninguém…”

Conclusão

“Um Pequeno Sacrifício” arranha o coração de quem mergulha na saga The Witcher. A história não se contenta em ser só mais uma tragédia: tece uma crítica ácida à forma como sociedades podres devoram quem preserva integridade. Essi Daven, com seu alaúde e versos cheios de esperança, é aquela faísca de luz que a gente torce para não se apagar, mesmo sabendo que o mundo de The Witcher não a merece.

Uma pena que a Netflix se perdeu na obra. Ao tentar atrair novos públicos, perdeu a oportunidade de adaptar uma das mais belas histórias da literatura.

Agora deixo com você: Assistiu à animação? Qual sua opinião sobre ela? Qual sua interpretação do amor de Geralt por Essi Daven?

By patobah