Quando Clair Obscur: Expedition 33 chegou ao mercado em 2025, rapidamente conquistou jogadores e críticos com sua estética inspirada na Belle Époque francesa, mecânicas de RPG por turnos reminiscentes de Final Fantasy e uma narrativa envolvente. Desenvolvido pela Sandfall Interactive, uma equipe pequena liderada por Guillaume Broche, ex-funcionário da Ubisoft, o jogo vendeu 2 milhões de cópias em apenas 12 dias, mesmo estando disponível no Game Pass. Mas, além de seu sucesso comercial e artístico, Clair Obscur lança luz sobre os bastidores da Ubisoft, revelando os desafios criativos e estruturais enfrentados por um dos maiores estúdios de videogames do mundo.

A frustração de alguém criativo na Ubisoft
Guillaume Broche passou anos na Ubisoft, contribuindo para franquias icônicas como Assassin’s Creed. No entanto, em entrevista recente, ele revelou que deixou a empresa por estar “entediado” e frustrado com a falta de liberdade criativa. Segundo Broche, aprovar um projeto como Clair Obscur dentro da Ubisoft levaria “25 anos” devido à burocracia e à aversão ao risco. Essa declaração ecoa um sentimento crescente entre jogadores e desenvolvedores: a Ubisoft, com seus milhares de funcionários e processos complexos, parece priorizar sequências de franquias estabelecidas — como Assassin’s Creed, Far Cry e Watch Dogs — em detrimento de novas IPs ou ideias ousadas.

A saída de Broche não é um caso isolado. Nos últimos anos, a Ubisoft enfrentou críticas por sua abordagem conservadora, com jogos que, embora tecnicamente competentes, muitas vezes seguem fórmulas previsíveis. Assassin’s Creed Shadows, lançado em 2025, recebeu elogios (81/100 no Metacritic), mas também foi alvo de comentários sobre sua familiaridade com títulos anteriores da série. Enquanto isso, Clair Obscur se destaca justamente por sua originalidade, combinando um sistema de combate dinâmico, visuais que parecem pintados à mão e uma trilha sonora marcante. A comparação é inevitável: por que a Ubisoft, com todos os seus recursos, não consegue produzir algo tão inovador?
Burocracia vs. liberdade criativa
O contraste entre a Sandfall Interactive e a Ubisoft é revelador. Clair Obscur foi criado por uma equipe de cerca de 30 pessoas, incluindo ex-funcionários da Ubisoft, desenvolvedores juniores recrutados via Reddit e até músicos encontrados no SoundCloud. Com um orçamento modesto e um preço acessível ($50), o jogo prova que é possível entregar uma experiência de alta qualidade sem os custos astronômicos dos títulos AAA, que frequentemente ultrapassam centenas de milhões de dólares. Em contrapartida, a Ubisoft opera em uma escala massiva, com estúdios espalhados pelo mundo e processos de aprovação que podem sufocar ideias não convencionais.
Broche destacou que, na Ubisoft, projetos passam por múltiplas camadas de decisão, muitas vezes diluindo a visão original para atender a um público amplo. Esse modelo favorece jogos de mundo aberto com mecânicas testadas, mas pode alienar talentos criativos que buscam explorar novas direções. O sucesso de Clair Obscur — elogiado por sua narrativa profunda e estética única — sugere que a liberdade criativa, aliada a uma execução focada, pode superar as limitações impostas por estruturas corporativas rígidas.
Um reservatório de talento reprimido
A história de Clair Obscur também aponta para um problema interno na Ubisoft: a empresa abriga um reservatório de talento que nem sempre é aproveitado. Comentários em fóruns e nas redes sociais, como o X, reforçam a percepção de que a Ubisoft emprega profissionais extremamente capacitados, mas sua abordagem comercial muitas vezes “brida” esses talentos. Broche e sua equipe são um exemplo disso. Após deixar a Ubisoft, eles construíram um jogo que rivaliza com produções de grandes estúdios, mostrando que o potencial criativo estava lá — apenas precisava de um ambiente mais flexível para florescer.
Essa dinâmica levanta questões sobre a retenção de talentos na Ubisoft. Se desenvolvedores como Broche sentem a necessidade de buscar independência para realizar seus projetos, a empresa pode estar perdendo oportunidades de se reinventar. Jogos como Prince of Persia: The Lost Crown (2024), que trouxe uma abordagem fresca ao gênero metroidvania, mostram que a Ubisoft é capaz de inovar quando dá espaço a ideias menos convencionais. No entanto, esses casos parecem exceções em um catálogo dominado por franquias de longo prazo.

Sustentabilidade e o modelo AAA em xeque
Outro aspecto destacado por Clair Obscur é a questão da sustentabilidade na indústria de jogos. A Ubisoft, como outros gigantes do setor, enfrenta críticas por seus orçamentos inflacionados e preços altos, com jogos frequentemente lançados a $70 ou mais. Além disso, a empresa tem lidado com controvérsias, como microtransações e lançamentos com bugs, que alimentam a percepção de que seus jogos priorizam lucros em vez de qualidade. Em contraste, Clair Obscur demonstra que uma equipe pequena, com recursos limitados, pode criar um produto competitivo, acessível e bem recebido.
O sucesso do jogo também desafia a narrativa de que apenas grandes estúdios podem entregar experiências memoráveis. Com 2 milhões de cópias vendidas em menos de duas semanas, Clair Obscur prova que há espaço no mercado para jogos de nicho, desde que sejam executados com paixão e competência. Essa lição é particularmente relevante para a Ubisoft, que enfrenta pressões financeiras e críticas por sua dependência em fórmulas repetitivas. Projetos menores e mais arriscados poderiam ser uma forma de diversificar seu portfólio e reconquistar a confiança dos jogadores.
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