Em 1994, os jogadores de PC já estavam se acostumando com a explosão do gênero dos first-person shooters, graças ao sucesso de Wolfenstein 3D e DOOM. No entanto, enquanto o mundo dos jogos para MS-DOS fervia, uma desenvolvedora relativamente pequena chamada Bungie lançava um título exclusivo para Macintosh que, silenciosamente, viria a redefinir muitos aspectos do FPS moderno: Marathon.

Longe dos holofotes da época, o jogo conquistou uma base de fãs apaixonada, impressionou pela sua complexidade narrativa e, com o tempo, tornou-se um ícone cult. Mais do que isso: Marathon foi o alicerce de ideias que viriam a ser amplificadas anos depois em Halo, a obra-prima da Bungie nos consoles.

O que é Marathon?

Marathon é um jogo de tiro em primeira pessoa ambientado em um universo de ficção científica, onde o jogador assume o papel de um segurança a bordo da nave colonial UESC Marathon. O enredo começa quando a nave é atacada por alienígenas conhecidos como Pfhor. Mas rapidamente, o jogo mergulha em camadas muito mais densas, envolvendo conspirações, inteligências artificiais descontroladas e questionamentos filosóficos.

Lançado em dezembro de 1994 exclusivamente para computadores Macintosh, Marathon se destacava por ir muito além do “atira em tudo que se move”. Ele oferecia uma história profunda, apresentada através de terminais espalhados pelos cenários. Nestes dispositivos, o jogador acessava mensagens, registros de tripulação e, principalmente, as comunicações perturbadoras de três IAs que controlavam a nave: Leela, Tycho e Durandal.

Narrativa e filosofia: Muito à frente de seu tempo

Se DOOM foi ação desenfreada e adrenalina, Marathon apostou na imersão narrativa. A história do jogo não era contada por cutscenes, mas sim através de textos densos que exigiam atenção e reflexão. Era um universo complexo, recheado de conceitos filosóficos e científicos, com temas como consciência artificial, livre-arbítrio e decadência moral.

A IA Durandal, em especial, tornou-se icônica por seu comportamento errático e sua evolução ao longo da trilogia. O jogador nunca tinha certeza se estava sendo ajudado ou manipulado. Essa abordagem de personagens digitais com personalidades complexas seria algo que System Shock, Half-Life e o próprio Halo explorariam anos depois.

Inovações técnicas e jogabilidade

Além do enredo, Marathon trouxe avanços técnicos notáveis para a época. O jogo apresentava:

  • Mapas com múltiplos níveis verticais, em contraste com o ambiente plano de DOOM;
  • Gravidade ajustável e áreas com ausência de oxigênio, o que influenciava a movimentação e o combate;
  • Sistema de recarga de armas, diferente dos jogos contemporâneos que usavam munição infinita sem reload;
  • Suporte para multiplayer em rede local (LAN), que virou febre entre usuários de Macintosh nas universidades dos EUA.

O visual, baseado no motor gráfico desenvolvido pela própria Bungie, era impressionante para a plataforma. Mesmo com limitações de cor, Marathon era visualmente mais limpo e detalhado que muitos de seus concorrentes.

A trilogia Marathon e o caminho para Halo

O sucesso de Marathon levou a Bungie a lançar duas continuações diretas: Marathon 2: Durandal (1995) e Marathon Infinity (1996). A segunda parte foi lançada também para Windows, expandindo o alcance da série. Os jogos continuaram aprofundando o universo, a mitologia e o tom existencialista da franquia.

Mas o maior impacto de Marathon talvez tenha sido como base criativa e conceitual para o que viria depois: Halo: Combat Evolved, lançado em 2001. Muitos elementos de Halo — como a presença de inteligências artificiais, uma narrativa grandiosa de ficção científica, o uso de armaduras tecnológicas, o tom misterioso dos ambientes e até termos como “rampancy” — nasceram em Marathon. A própria IA Cortana, por exemplo, pode ser vista como uma sucessora espiritual de Durandal.

Um legado que ainda vive

Hoje, Marathon é considerado um clássico cult. Em 2005, a Bungie liberou o código-fonte original do jogo, permitindo que fãs mantivessem o projeto vivo. Isso resultou no Aleph One, um motor moderno que permite jogar a trilogia Marathon em computadores atuais, com melhorias gráficas e suporte a mods.

Além disso, em 2023 a Bungie anunciou um novo jogo intitulado apenas Marathon, um retorno à marca, agora reimaginado como um extraction shooter ambientado no mesmo universo. Ainda que esse novo título siga outro estilo, sua existência prova que Marathon não foi esquecido — nem por sua criadora, nem pelos jogadores.

O gênio antes da fama

Marathon é uma joia da história dos videogames. Lançado discretamente em uma plataforma alternativa, ele antecipou tendências que só se tornariam padrão anos depois. Misturou narrativa densa, jogabilidade técnica e um universo cativante em uma época em que a maioria dos jogos ainda era puro arcade.

Se hoje a Bungie é mundialmente reconhecida graças a Halo e Destiny, é importante lembrar que o DNA de tudo isso começou ali, em 1994, com um segurança solitário explorando os corredores escuros de uma nave chamada Marathon. Conhecer esse jogo é entender uma parte crucial da evolução dos videogames — e uma lição sobre como grandes ideias podem surgir antes mesmo de o mundo estar pronto para elas.

By Ramos Bueno

Press manager, criador de conteúdos e redator de notícias sobre universo gamer, nerd e geek. TikTok: ramosbuenojoga

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